Alto Catumbela luta para evitar tragédia ecológica



Na antiga fábrica de celulose do Alto Catumbela há produtos químicos mal acondicionados que são um perigo para a saúde pública e podem provocar um desastre ambiental. A unidade fabril encerrou em 1983 e desde então os químicos utilizados na produção de pasta de papel ficaram armazenados, mas sem os cuidados especiais que exigem.
À entrada do complexo industrial, agora com o equipamento enferrujado, a equipa de reportagem do Jornal de Angola foi recebida pelos guardas das instalações que aconselharam a não entrar com a viatura no interior das instalações fabris.
Evaristo Kalumbo, já na casa dos 60 anos, coordena a comissão de gestão da Companhia de Celulose e Papel de Angola desde a sua paralisação nos anos 80. Foi ele que mostrou o actual estado das instalações que ameaçam ruir.
Evaristo Kalumbo avisou que não existe equipamento de protecção contra produtos tóxicos. E descreveu a fábrica nos seguintes termos: “nós estamos muito preocupados com esta situação, que já vigora há 30 anos. Estiveram várias delegações oficiais, mas até aqui nenhuma resposta nos foi dada”, disse.
Fomos ver o armazém onde deflagrou um incêndio no dia 28 de Março de 2011. O edifício foi totalmente consumido pelo fogo porque no Alto Catumbela não há bombeiros nem a velha fábrica tem material de combate aos incêndios.
“Neste local houve um incêndio de grandes proporções que nós tentámos apagar com areia e água, mas não conseguimos. Estávamos a lidar com produtos tóxicos, queríamos apenas apagar o fogo, porque temíamos que o incêndio alastrasse a outras áreas e provocasse uma catástrofe.
Felizmente foi possível conter o incêndio, após a chegada dos bombeiros de Benguela, mas todas as pessoas que ajudaram, sem a devida protecção, como eu próprio, passaram mal e fomos obrigados a ir ao Hospital da Ganda porque inalámos gases tóxicos”, explicou Evaristo Kalumbo.


O encarregado das instalações desde então ficou a perceber o perigo que representam os produtos químicos armazenados na velha fábrica, sem os devidos cuidados: “o apelo que faço é que sejam retirados estes produtos daqui, porque senão os 122 trabalhadores acabam por contrair doenças irreversíveis se é que já não contraíram”.
Evaristo Kalumbo recorda que foi internado três vezes no Hospital Municipal do Cubal e outras duas no Hospital Municipal da Ganda, “por ter constantemente tosse e dores no tórax”.O coordenador da comissão de gestão da antiga fábrica de papel disse que o diagnóstico do seu primeiro internamento revelou uma intoxicação por exposição a produtos tóxicos.


Pasta de papel



Paralisada desde 1983, depois do rapto pela UNITA dos técnicos estrangeiros que ali trabalhavam, a Companhia de Celulose e Papel de Angola (CCPA) sofreu o primeiro incêndio em 1996, após o desabamento do tecto de um dos armazéns de produtos químicos.

O coordenador da comissão de gestão da celulose lembra que nessa altura sete cabeças de gado que se alimentaram com o capim dos arredores da fábrica tiveram morte imediata. O incêndio libertou produtos tóxicos que poluíram tudo à volta: “até os produtos hortícolas das lavras da população das redondezas ficaram afectados”, disse.
Evaristo Kalumbo recordou que durante a tentativa de extinção do incêndio de 1996, os trabalhadores ficaram expostos aos gases tóxicos durante muito tempo: “penso que foi nessa altura que tudo começou a acontecer-me.
Daí em diante, de oito em oito dias sinto-me mal e tenho que procurar os serviços de um médico devido à tosse, e sinto uma grande dor no peito”. A fábrica não tem máscaras, luvas e botas, desde que paralisou há quase 30 anos.


Perigo permanente



Evaristo Kalumbo diz que foram enviados vários relatórios ao Governo Provincial de Benguela, ao Ministério da Indústria e ao Instituto de Desenvolvimento Industrial de Angola, mas nunca houve resposta.
Depois disso, prosseguiu, os membros da comissão de gestão começaram a manifestar publicamente a sua inquietação em relação à sua situação e, face a esse clima, delegações do governo da província, do Instituto de Desenvolvimento Industrial e mais recentemente uma equipa de especialistas das Forças Armadas Angolanas visitaram a fábrica e no final produziram um relatório que foi encaminhado às autoridades centrais: “tenho a certeza que agora alguma coisa vai ser feita para evitar uma tragédia”.


Entidade  gestora



O Instituto de Desenvolvimento Industrial de Angola é a instituição que gere os destinos da Companhia de Celulose e Papel de Angola desde 1996, com base no Decreto nº 46/83, de 15 de Março, publicado no Diário da República a 3 de Janeiro de 1996.“Todos os produtos químicos que aqui estão acondicionados em tanques e no armazém estão numa fase de saturação e por isso se entrarem em contacto com o ambiente, podem provocar uma tragédia”, alertou o coordenador da comissão de gestão.São 20 toneladas de produtos químicos diversos que a fábrica acomoda de forma precária.

Há sulfato de alumínio, enxofre, cloro, clorato de sódio e resinas, mas o cloro e o clorato de sódio são altamente tóxicos e inflamáveis, por isso representam um perigo permanente, porque a explosão de uma botija de cloro ou a deflagração de um incêndio no armazém que acomoda o clorato de sódio, pode provocar uma grande tragédia na região.
“Se deflagrar mais um incêndio na fábrica é um grande perigo para a população da Babaera e do Alto Catumbela”, referiu Evaristo Kalumbo, para quem a população da Ganda também está em risco.
Evaristo Kalumbo revelou que dos 21 mil habitantes da Babaera e Alto Catumbela “apenas nós sabemos que muita gente pode estar exposta aos efeitos nocivos dos produtos químicos e tóxicos”.
O Alto Catumbela fica a 20 quilómetros da sede do município da Ganda. A Oeste, a 60 quilómetros, está o município de Tchinjendje, na província do Huambo, cujas populações podem também ser atingidas em caso de uma catástrofe na fábrica do Alto Catumbela.  Além da comuna da Babaera, o município da Ganda integra igualmente as comunas de Ebanga, Casseque e Chicuma.


Medidas em marcha



De acordo com a directora provincial da Indústria e Geologia e Minas, Augusta Pinto, da análise feita pelo governo de Benguela, em parceria com o Ministério da Indústria, surgiu um acordo com uma empresa angolana denominada “Águas de Angola”, que vai remover da fábrica todos os produtos químicos que representam um perigo para o ambiente e para a população do município da Ganda e municípios vizinhos.
Augusta Pinto garantiu que os trabalhos de remoção, que começam nos próximos dias, são executados em três fases. A primeira serve para travar de imediato a contaminação e a possibilidade de contacto das pessoas com os produtos tóxicos. Depois é criado um aterro controlado desses produtos e na terceira fase são desmantelados os reservatórios em condições de segurança: “até ao final do cacimbo, o problema fica resolvido”.
Na primeira fase, o projecto prevê a recolha de todos os produtos químicos armazenados e a sua colocação em contentores que vão ser selados e isolados.
Depois segue-se a limpeza e neutralização dos dois armazéns dos produtos químicos e posterior demolição. O processo de colocação de inertes nos contentores com os produtos tóxicos selados vai ser acompanhado do isolamento dos produtos numa zona afastada do perímetro da fábrica inviolável à população e aos animais, para depois, em condições de segurança, serem transportados para um outro local onde não haja perigo para a vida das pessoas e animais.“Depois de vários anos de promessas, já vemos uma luz ao fundo do túnel. Provavelmente na próxima segunda-feira, os técnicos começam a primeira fase do projecto, com a montagem dos estaleiros”, garantiu a directora provincial da Indústria.
A responsável da Indústria em Benguela reconhece que só agora, “com o posicionamento firme do Governo Provincial, devido ao agravamento da situação”, o Ministério da Indústria deu instruções para que fosse assinado o contrato com a Empresa Águas de Angola.


Produtos tóxicos



Relativamente ao facto de existirem trabalhadores da fábrica de celulose afectadas pela exposição permanente aos produtos químicos, a directora provincial da Indústria diz que só tomou conhecimento da situação quando no passado mês de Março um incêndio deflagrou no recinto da fábrica e fez com que várias pessoas fossem parar ao hospital.

Desde esse momento, a comissão de gestão da Celulose foi instruída pela Direcção Provincial da Indústria para fornecer aos 122 trabalhadores doses diárias de leite para desintoxicação e foram recomendados procedimentos para que evitem contacto directo com os produtos tóxicos. Na fábrica do Alto Catumbela há cloro, que à temperatura ambiente está no estado gasoso.
De coloração amarela esverdeada, o cloro é um gás extremamente tóxico e de cheiro irritante.O Cloro é igualmente utilizado para tratar a água de consumo, dissolvendo-se nela. Também é usado como branqueador na produção do papel, apesar de já ter sido substituído pelo dióxido de cloro.
O Clorato de Sódio é principalmente usado para o branqueamento da polpa de celulose, mas também é usado como herbicida. É considerado fototóxico para as partes verdes das plantas, mas também pode matar por absorção pelas raízes.
 O Sulfito de Sódio, conhecido quimicamente por Ácido Sulfuroso, é um conservante usado em alimentos. O seu pó pode causar irritações respiratórias e reacções alérgicas. A sua ingestão em doses altas pode causar perturbações na circulação sanguínea, diarreia e depressão do sistema nervoso central.


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